O Mundial de Clubes da Fifa virou, entre tantas coisas, uma grande montanha-russa emocional para o torcedor brasileiro. Já teve abraço coletivo de rivais torcendo uns pelos outros — sim, isso aconteceu —, torcida do Palmeiras gritando “vamos Fogão” e flamenguista abrindo exceção para apoiar o Fluminense (mas só por três dias, com data de validade e tudo). Teve golaço, zebra, calafrios e surpresas. Mas teve também, claro, a parte que mais nos representa: o debate eterno sobre qual vitória vale mais.
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O Botafogo venceu o PSG. Um feito histórico, sem asterisco. Campeão da Champions, arsenal de craques em campo, três pontos garantidos com raça, suor e um plano que funcionou. Mas bastou o dia seguinte pra surgir uma nova batalha — não nos gramados, mas nas redes, nos grupos de WhatsApp e nas mesas de bar: o “ranking das vitórias mais puras”. Começaram a comparar com o Flamengoque havia despachado o Chelsea com toques refinados e um amasso digno de repertório europeu. A provocação? O Botafogo jogou “retranqueiro”. E o amasso rubro-negro foi mais “legítimo”.
Virou moda achar que existe uma maneira mais nobre de ganhar do que outra. Uma espécie de gourmetização da vitória. Como se o valor da façanha tivesse que passar por uma curadoria estética. A obsessão pela forma agora tenta rebaixar o conteúdo. E isso, cá entre nós, é perder tempo demais com manual de instrução quando a gente devia estar celebrando a máquina funcionando.
Chegou ao ponto de até o Flamengo, que atropelou o Chelsea com intensidade e alegria, ser alvo de crítica. Porque o Chelsea de 2025 não seria “bom o suficiente”. Ué? A obrigação agora é o europeu jogar bem para o brasileiro poder ganhar com dignidade? Tinha gente parecendo mais preocupada em salvar a imagem da Europa do que em exaltar o feito do time brasileiro.
E aí veio Bayern x Flamengo. E a discussão seguiu acalorada. Uns viram um jogo competitivo, com entrega e coragem. Outros acharam que o Flamengo foi engolido e que nada se salva. E a pergunta que fica é: por que tem que ser tudo oito ou oitenta? Não dá pra reconhecer que o Bayern foi melhor e ainda assim valorizar o que o Flamengo construiu até ali? Dá, sim. E também dá para apontar onde o time falhou, mesmo ele mantendo sua identidade e encarando o jogo com ousadia. Se não é galhofa, zoeira e provocação de segunda-feira, análise não precisa ser torcida organizada. Pode ter nuance, pode ter meio-termo. Pode ter bom senso, inclusive.
Se antes achávamos que sairíamos todos muito derrotados deste Mundial, agora parece que o brasileiro não se satisfez em vencer seus joguinhos, em construir seus feitos. Só vale se ganhar com aplausos, com nota 10 do júri técnico e ainda encerrar o debate com a verdade absoluta. É o sujeito que não quer só os três pontos, mas quer também dizer “eu avisei”, “o meu jeito é melhor”, “o meu time venceu mais bonito”. No fundo, queremos vencer até o VAR do argumento. Vencer o placar e o pós-jogo. Vencer a narrativa. Vencer o dicionário.
Só que futebol não é só debate de tese. É jogo. É bola na rede. É alegria, é loucura, é lágrima. E às vezes, é retranca. Outras, é toque de primeira. E às vezes é só sorte. Tá tudo certo. Até que a bola entra para o outro lado, e algumas coisas estão erradas, mas nem todas, casos de Botafogo e Flamengo neste fim de semana.
Que venha o Fluminense, com sua chance de ouro de fazer história. E que o próximo capítulo dessa novela venha sem sommelier de glórias e sem especialista em fracassos. Menos juiz de beleza e mais comemoração sincera. E vitória boa é aquela que faz o coração disparar — não a que precisa de post no Twitter – ou no X, como quiserem – pra valer. Definitivamente, não é o X da questão.