Professora emérita na Escola de Comunicação da UFRJ, Consuelo Lins foi pesquisadora de “Edifício Master”, documentário de Eduardo Coutinho sobre a rotina do prédio de 12 andares e 276 apartamentos conjugados, de 38 metros quadrados, em Copacabana. Ela também é autora do livro “O documentário de Eduardo Coutinho”, sobre a obra do diretor, morto em 2014, assassinado a facadas pelo próprio filho, portador de doença mental. Nesta entrevista, ela relembra os dias de produção no edifício na Rua Domingos Ferreira, onde parte da equipe de Coutinho morou por um mês.
O que você sente quando revê o filme?
Ano passado a gente fez uma reexibição na Lapa e posso dizer que ele resiste à passagem dos anos. É um filme de 2002, mas os personagens continuam conversando com o presente. De alguma maneira, aqueles depoimentos estão vivos em você, passeando por Copacabana. O que é morar numa cidade grande, morar sozinho, envelhecer…
O que lembra do período das filmagens mais de 20 anos depois?
Foi um período de aprendizado intenso com o Coutinho. As pessoas não queriam falar com a gente, não abriam a porta, e a gente ia riscando o gráfico na parede. Tinha uma certa angústia. O Coutinho era muito afetuoso, mas era carrancudo.
Cite um personagem marcante até hoje.
Mesmo já tendo visto o filme muitas vezes, a gente continua tocado pelos personagens. A Daniela, aquela moça que é sociofóbica e não consegue olhar para o Coutinho, ela está falando da solidão, da multidão. Ela está falando dela, mas ao mesmo tempo sobre o mundo em que a gente vive.
Como o olhar de Coutinho fez diferença no filme?
Digo que ele era uma pessoa pessimista otimista, de conseguir trazer dimensões de criação, de analisar as questões do país com muita perspicácia. No filme, por exemplo, tem a Maria Pia, doméstica que veio da Espanha e diz que a pobreza no Brasil não existe. Para o Coutinho, era fundamental que esta fala estivesse em cena, porque estamos mostrando uma pessoa que exerce uma profissão que é historicamente explorada, mas ela está do lado do patrão. Se a gente não entender essas contradições, a gente não entende o Brasil. E isso vem no cinema dele desde sempre, o ouvir sem estar julgando, apenas mostrando a complexidade humana. A herança que o Coutinho deixa é essa de fazer com que as pessoas sejam escutadas.