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Nova sede da Fundação Valentino Garavani e Giancarlo Giammetti destrincha vermelho


Uma mostra dedicada à cor vermelha em homenagem a Valentino poderia soar previsível. Mas a exposição inaugural do PM23 — novo centro cultural da Fundação Valentino Garavani e Giancarlo Giammetti, em Roma — subverte qualquer clichê. Longe de ser uma celebração da dolce vita, da Cinecittà ou de um glamour nostálgico, “Horizontes/ Vermelho” apresenta o vermelho como declaração de ruptura. Aqui, o tom- assinatura de Valentino revela a face mais inesperada, conectando sua obra a movimentos artísticos de vanguarda e mostrando que, sob os plissados ​​e drapeados da elegância eterna, pulsava também um gesto de insubmissão.

A exposição, em cartaz até 31 de agosto, ocupa seis salas de um edifício restaurado do século XVI que já abrigou a escola de tipografia do Vaticano, colado aos ateliês da Valentino e à turística Piazza di Spagna. O nome do espaço vem do endereço: Piazza Mignanelli, 23. Ali estão reunidas 80 peças entre vestidos e obras de arte, todos dominados pelo vermelho. As roupas cobrem quase cinco décadas de criação de Valentino, de 1959 — com o icônico modelo “Fiesta” — até 2008, ano de sua despedida das passarelas. Estão lado a lado com obras de Pablo Picasso, Mark Rothko, Andy Warhol, Damien Hirst, Gerhard Richter, Louise Bourgeois, Marlene Dumas e outros nomes definitivos da arte moderna e contemporânea. Um vestido de tule dos anos 1950 parece responder a um Cy Twombly de 2008. Um modelo-coluna sem costas de 2008 se volta a um Clyfford Still de 1955. Um vestido de tafetá contempla as dunas de Francis Bacon. Todos são exibidos como esculturas em 360 graus, montados em manequins inspirados no corpo e no rosto da modelo russa Natalia Vodianova.

Segundo Giammetti, a ideia não era criar um “diálogo” artificial entre arte e moda, mas sim deixá-las coexistir sob o mesmo princípio: o da beleza. “A beleza cria beleza”, ele resume. Mas engana-se quem vê apenas glamour no rosso Valentino (aí vai a receita registrada pela Pantone: uma mistura de 100% magenta, 100% amarelo e 10% preto). A exposição revela também o viés subversivo, ainda que sofisticado, da paleta escolhida pelo estilista. É quando seus vestidos se justapõem a obras de mestres da vanguarda italiana do pós-guerra, seus contemporâneos — como Lucio Fontana, Giuseppe Bonalumi e Mario Schifano — que percebemos a densidade de sua proposta estética. Os cortes, os relevos e as texturas das telas em exibição parecem se transformar em roupas com os plissados, os drapeados e os decotes de Valentino. Quem diria, o mestre da elegância foi um radical chic.

Valentino e Giammetti — Foto: Divulgação
Valentino e Giammetti — Foto: Divulgação

A curadoria das obras de arte ficou a cargo de Anna Coliva, ex-diretora da Galleria Borghese, que reuniu peças do acervo pessoal de Valentino e Giancarlo, além de empréstimos de instituições prestigiadas como a Fondation Louis Vuitton, em Paris, e a Fondation Beyeler, na Suíça. “Valentino iniciou sua carreira no auge do boom artístico do pós-guerra na Itália, e o vermelho carrega justamente esse símbolo de renascimento, de impulso criativo. Foi um momento de enorme vitalidade, não apenas nas artes, mas também na economia e na cultura italianas”, diz ela. “Roma era o epicentro desse fervor — artistas do mundo inteiro vinham para cá. Podemos dizer, sem exagero, que o expressionismo, a arte abstrata e até o pop art americanos devem muito às viagens que seus criadores fizeram a Roma, daí a significativa presença de expoentes dos Estados Unidos na mostra.”

A frase “I love beauty, it’s not my fault” (Eu amo a beleza, não é culpa minha), dita por Valentino no documentário “O último imperador”, está estampada em letras garrafais sobre um espelho monumental na entrada do espaço. Aos 93 anos, ele decidiu se afastar da vida mundana e hoje leva uma rotina longe dos holofotes, entre Roma, seu barco no Mediterrâneo e o castelo de Wideville, nos arredores de Paris. Seu círculo se restringe aos amigos realmente próximos de toda uma vida — com destaque para a “Tribo”, como ele e Giancarlo batizaram sua turma de brasileiros fiéis: o relações-públicas Carlos “Cacá” de Souza; sua eterna musa Charlene Shorto; e a condessa franco-italo-carioca Georgina Brandolini d’Adda. O filho de Cacá e Charlene, Anthony de Souza, colaborou na concepção visual do PM23. “O Brasil sempre esteve perto de nós e dos nossos corações”, diz Giammetti. “Tentamos comprar um apartamento no Rio — uma vez em Copacabana, outra em Ipanema, mas infelizmente não deu certo. Uma viagem à Bahia inspirou Valentino numa coleção inteira de vestidos brancos.”

Intervenção com espelho faz alusão a frase famosa de Valentino — Foto: Divulgação
Intervenção com espelho faz alusão a frase famosa de Valentino — Foto: Divulgação

O PM23 foi concebido como a sede definitiva para a missão cultural e filantrópica da fundação que foi criada em 2016 e atua em três frentes: apoio a iniciativas sociais e filantrópicas (como o hospital pediátrico Bambino Gesù), fomento às artes e à cultura e programas de educação e apoio a jovens talentos. O objetivo é promover duas exposições por ano, além de oficinas, masterclasses e concursos com bolsas de estudo para criadores emergentes. O espaço é também um altar que celebra o percurso de vida de Valentino e Giammetti. Eles se conheceram por acaso no final dos anos 1950 em um café na Via Veneto, no auge da dolce vita, e transformaram o relacionamento em um império estético com presença midiática estudada. “Não vestíamos celebridades; vestíamos amigas que por acaso eram celebridades. Hoje, o marketing ofusca a criação”, diz Giammetti. A marca fundada há 64 anos pela dupla pertence atualmente ao fundo de investimentos Mayhoola, da família real do Catar, e há um ano está sob a direção criativa do estilista italiano Alessandro Michele.

Roma está especialmente em evidência no momento, e todos os caminhos levam a ela — mais uma vez. Do lado fashion, a grife francesa Christian Dior desfilou sua coleção cruise 2026 na cidade, enquanto a Fendi, nascida em Roma, celebra um século de existência. A Dolce & Gabbana prepara uma semana inteira de festas e apresentações de alta moda, entre os dias 12 e 17 deste mês. No meio desse turbilhão, um senhor de 80 anos desceu de carro, de madrugada, as escadarias da Piazza di Spagna e virou notícia viral. Para completar, é ano de jubileu, tempo de indulgências e peregrinações. Um papa popularíssimo (Francisco) faleceu, e outro, Leão XIV, foi escolhido pelos cardeais. Mas basta ver a enorme fila para entrar no PM23 e entender: os romanos já tinham elegido o seu sumo pontífice. A fumaça, sem culpa nenhuma, é vermelha.



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