Diante da falta de regras que transformou as redes sociais em terra de ninguém, é um alento a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, por 8 votos a 3, reconhece responsabilidade das plataformas digitais pelo conteúdo nelas veiculado. Sem dúvida, o meio digital ficará mais seguro para todos. Pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet, de 2014, as empresas só eram consideradas juridicamente responsáveis se deixassem de remover conteúdo ilegal depois de receber ordem judicial. Tal dispositivo favorecia a proliferação de todo tipo de crime nas redes. Os ministros do Supremo consideraram o artigo parcialmente inconstitucional, por não oferecer proteção suficiente aos direitos fundamentais dos brasileiros.
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Ao fim do julgamento, a Corte formulou uma tese com 14 pontos estabelecendo novas regras. Ela ainda abre exceções em que permanece a norma antiga, mas o avanço é inegável. Agora as plataformas serão consideradas corresponsáveis por conteúdos ilegais assim que notificadas pelas partes afetadas e, em casos extremos, mesmo antes, sem necessidade de ordem judicial. Ressalvadas as exceções, passa a valer o sistema descrito no artigo 21, conhecido como notice and take down (antes válido para violação de intimidade). Regra similar vigora em países da União Europeia e, embora violações continuem a ocorrer, tem se mostrado viável.
Não menos relevante é a decisão de que as empresas têm “dever de cuidado” e precisam atuar de forma preventiva na remoção de determinados tipos de conteúdo ilegal, entre os quais incitação à violência, terrorismo, crimes graves contra crianças e adolescentes e conspirações antidemocráticas. É o tipo de regra que nem deveria depender de determinação da Corte para ser aplicada. As empresas costumam alegar que já fazem moderação em vários casos. Mas têm sido omissas. Agora serão obrigadas a atuar preventivamente — ou serão cúmplices dos crimes.
Infelizmente, a Corte perdeu a oportunidade de ampliar o alcance das medidas. Crimes contra a honra, como injúria, calúnia e difamação, foram tratados como exceção, sob o argumento de preservar a liberdade de expressão. Para eles, valerá o artigo 19: as redes só serão responsáveis por conteúdos desse tipo se ignorarem decisão judicial. Quando a sentença é proferida, porém, o dano já está feito, muitas vezes sem reparação possível. Não há justificativa para a honra não receber a mesma proteção que os demais direitos.
A ideia de que o sistema notice and take down sufocará a liberdade de expressão nas redes não encontra respaldo na realidade. Um estudo do NetLab, da UFRJ, mostra que, na União Europeia, o dispositivo não levou à remoção maciça de conteúdos. A proporção de pedidos para tirar posts do ar atendidos pelas plataformas variou entre 21,3% (Facebook) e 35,4% (X). Na maior parte dos casos, a remoção ocorreu por decisão espontânea das empresas e envolveu a violação de regras internas.
O STF cumpriu o seu papel de disciplinar as redes diante da omissão reiterada do Congresso, onde o Projeto de Lei das Redes Sociais não andou. Mas isso não significa que deputados e senadores não devam assumir seu papel na regulação do tema. A decisão da Corte vale até que o Parlamento estabeleça regras melhores. Não há dúvida de que se avançou, mas, como mostra o caso dos crimes contra a honra, pode-se avançar ainda mais. Para isso, cabe ao Congresso se mexer.