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Físico, calor, psicológico… o que Mundial de Clubes prova sobre capacidade de adaptação dos brasileiros?


Muitos tropeços de equipes europeias nesta Copa do Mundo de Clubes foram acompanhados por explicações como falta de interesse, cansaço pelo fim de temporada ou a dificuldade de lidar com o clima nos Estados Unidos. Este último fator foi abraçado com especial irreverência pela torcida brasileira, acostumada a acompanhar jogos sob forte calor ou condições adversas no país. O inédito intercâmbios entre times ainda fez surgir a hipótese sobre o jogador formado no Brasil possuir uma capacidade maior de adaptação.

Diferentes linhas da ciência do futebol são incapazes de provar isso, mas o que esse Mundial permitiu foi a criação de uma tempestade perfeita para elevar a competitividade dos times do país. Por exemplo, no antigo formato do torneio, os sul-americanos jogavam no fim ou início de temporada, encarando europeus no auge físico, o que acentuava ainda mais as diferenças financeiras e estruturais. Para o performance coach Kadu Fadel, essa inversão de contexto valoriza o trabalho feito por aqui.

— Crescemos acostumados a viver em um país tropical, habituados ao calor. Eles não estão conseguindo suportar bem. É uma condição que gera vantagem fisiológica para a gente. Não que a tenhamos um nível de adaptabilidade maior, isso é uma coisa imensurável — explica Fadel, que chama atenção para a dificuldade de brasileiros acostumados à Europa há anos sofrendo da mesma maneira:

— O Vinícius Júnior se acostumou com o clima na Espanha, com o clima europeu, apesar da Espanha ser mais tropical. O Savinho, que joga no Manchester City, você vê no intervalo querendo pegar uma toalha molhada, se hidratando mais — aponta ele.

A estrutura CBF-Conmebol castiga bastante pela grande quantidade de jogos — Flamengo, Fluminense, Palmeiras e Botafogo são líderes de compromissos nos últimos 12 meses entre todas as 32 equipes — a que expõe seus atletas, um impeditivo para a manutenção de um espetáculo de mais qualidade.

Prestianni, meio-campista do Benfica, precisou ser atendido após se sentir mal durante partida contra o Bayern de Munique, disputada sob forte calor em Charlotte, na Carolina do Norte — Foto: Kevin C. Cox/Getty Images/AFP
Prestianni, meio-campista do Benfica, precisou ser atendido após se sentir mal durante partida contra o Bayern de Munique, disputada sob forte calor em Charlotte, na Carolina do Norte — Foto: Kevin C. Cox/Getty Images/AFP

— Quem joga no Brasil joga em qualquer lugar do mundo. As adversidades de clima, viagens e logísticas são diferentes. Quando você já está acostumado com isso, se adapta rápido às outras adversidades, e foi isso que aconteceu comigo — relata Nogueira, zagueiro do Sabah (Azerbaijão), formado no Fluminense e com experiências no futebol belga, português e mexicano. — Sobre tática e estilo de jogo, você realmente aprende muito quando está inserido no contexto, mas, com o que temos no Brasil, já chegamos bastante preparados para essa adaptação.

Ao mesmo tempo, se moldar a um país não se torna algo automático apenas pelo jogador ser brasileiro ou atuar bem no país de origem. Saindo do contexto de um torneio de tiro curto, como o Mundial, pensar uma transferência também tem muito a ver com o estilo de uma liga estrangeira. O analista tático Guilherme Dias conta que pensar a “rota” de um atleta necessita do casamento entre características físicas e técnicas com um bom período de adaptação.

— É difícil estabelecer um período razoável porque varia muito de atleta para atleta, de contexto para contexto. Mas eu acho que para definir se esse cara adaptou, se está apresentando um futebol de mais regularidade, tem que pegar um mínimo de 900 minutos disputados — reflete Dias. — Às vezes, é uma temporada, às vezes, é seis meses, às vezes, o cara não se adapta também. Pode passar dois ou três anos e ele não se adapta.

— Sem dúvida, passar por um contexto como o do futebol brasileiro, com tantos jogos e viagens, te molda e você, naturalmente, se acostuma com mais facilidade. Percebi uma grande diferença física na Europa e, por ter chegado muito jovem, me adaptei mais rápido. Os jogos são muito intensos e, principalmente, taticamente, os europeus são muito rigorosos — diz o goleiro Bernardo Fontes, do Tondela, formado no Flamengo e eleito melhor goleiro da segunda divisão de Portugal.

A discussão também passa diretamente pelo lado mental, e nisso existe uma unanimidade entre as pessoas ouvidas pelo GLOBO: o futebol brasileiro é quase insustentável em questão de pressão. Emily Gonçalves, coordenadora de psicologia do Fluminense, reconhece a maior força emocional, mas aponta a falta de cuidados e segurança.

— Jogadores que passaram por clubes com estruturas mais organizadas, culturas que valorizam o ser humano antes do resultado, retornam com mais clareza emocional, autocontrole e consciência sobre sua própria jornada. Eles não voltam “melhores” apenas tecnicamente, voltam com um olhar mais maduro sobre a profissão e ferramentas para lidar com pressão — ressalta Gonçalves. — A diferença está na forma como essas organizações enxergam o ser humano dentro do atleta, e o impacto disso não se limita ao campo. Esses atletas tornam-se espelhos vivos para seus colegas, filhos, equipes e futuros clubes. Um só jogador emocionalmente maduro pode transformar um ambiente inteiro.

Jhon Arias briga pela bola no empate entre Fluminense e Mamelodi Sundowns — Foto: Lucas Merçon/Fluminense
Jhon Arias briga pela bola no empate entre Fluminense e Mamelodi Sundowns — Foto: Lucas Merçon/Fluminense

No caminho contrário, a psicóloga que trabalha com o dia a dia do futebol conta que ajuda jogadores a caminho de outros países fazendo-os “organizar o mundo interno diante de um salto emocional, físico e cultural”. Para Pereira, atuando no Oita Trinita (Japão) desde 2021, a compreensão de uma realidade totalmente foi preponderante para render melhor em campo.

— Acho que esse ponto de adaptação varia de atleta para atleta, e depende de para qual país ele está indo, pois cada um tem sua cultura. Demorei um pouco mais para me adaptar, mas hoje me sinto um jogador muito mais preparado e completamente adaptado ao país — conta o zagueiro. — Quando cheguei ao Japão senti que melhorei muito a parte técnica. No Brasil, nem sempre priorizamos aperfeiçoar isso (passe, domínio, cruzamento, posicionamento). Aqui, cada atleta leva seu tempo para se adaptar e conseguir alcançar bons números.



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