Longe dos olhos do público, os impactos da repressão do governo do presidente dos EUAAssim, Donald Trumptem imigração vêm se desenrolando em centros de detenção superlotados em todo o país. Alguns imigrantes passaram uma semana ou mais sem tomar banho. Outros dormem espremidos no chão, sem colchão. Medicamentos para diabetes, pressão alta e outras doenças crônicas muitas vezes não são fornecidos. Em Nova York e Los Angeles, pessoas foram mantidas por dias em salas apertadas projetadas apenas para triagem temporária, sem que seus advogados ou familiares soubessem onde estavam.
O sistema nacional de detenção de imigrantes está colapsando diante de um número recorde de detidos, à medida que o governo intensifica a repressão com batidas em locais de trabalho e prisões em tribunais de imigração. Em 15 de junho, mais de 56 mil imigrantes estavam sob custódia do governo — muito acima da capacidade atual de 41 mil.
— Estas são as piores condições que presenciei em meus 20 anos de carreira — afirmou Paul Chavez, diretor de Litígios e Defesa Institucional da organização Americans for Immigrant Justice (AIJ), entidade da Flórida que representa imigrantes em centros de detenção. — As condições nunca foram boas, mas isso é horrível.
Pelo menos dez imigrantes morreram sob custódia do Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE, na sigla em inglês) nos seis meses desde 1º de janeiro, incluindo dois no centro de detenção de Krome, em Miami, onde, neste mês, detidos formaram a palavra “SOS” (sinal de socorro internacionalmente conhecido) com os próprios corpos no pátio. Pelo menos duas das mortes foram suicídios, no Arizona e na Geórgia. Uma média de cerca de sete mortes por ano ocorreu sob custódia do ICE durante os quatro anos do governo Biden.
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As detenções aumentaram muito desde maio, quando Stephen Miller, assessor da Casa Branca encarregado da política migratória, estabeleceu a meta de 3 mil prisões por dia. Para acomodar o crescimento da população detida, o governo expandiu contratos com operadoras privadas de presídios e solicitou um aumento substancial de verbas. A versão da Câmara do projeto de orçamento prevê US$ 45 bilhões para a detenção de imigrantes, mais de dez vezes o orçamento atual.
Muitos dos imigrantes detidos já têm ordens de deportação pendentes ou concordam em deixar o país voluntariamente. Nesses casos, o ICE consegue colocá-los rapidamente em aviões ou ônibus para fora do país. No entanto, muitos outros têm direito a audiências, o que leva tempo. Nessas situações, o ICE libera alguns sob fiança — o que também exige audiência — ou os mantém sob custódia, caso os considere risco de fuga.
O Departamento de Segurança Interna (DHS), responsável pelo ICE, negou categoricamente todas as denúncias de superlotação e maus-tratos. Em nota, a porta-voz Tricia McLaughlin afirmou que todos os detidos “recebem alimentação adequada, atendimento médico e têm a oportunidade de se comunicar com familiares e advogados”. Ela acrescentou que a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, pediu ajuda a estados e municípios para fornecer camas e espaço de detenção, e destacou que decisões judiciais têm atrasado deportações.
— Apesar de um número histórico de liminares, o DHS está trabalhando de forma acelerada para remover esses estrangeiros dos centros de detenção e levá-los ao seu destino final: casa — afirmou.
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Entrevistas com mais de duas dezenas de ex-detidos, advogados, familiares e parlamentares indicam, contudo, que as condições nos centros espalhados pelo país tornaram-se insalubres, insustentáveis e, em alguns casos, perigosas para pessoas com problemas de saúde.
‘Condições desumanas’
Marcelo Gomes, brasileiro de 18 anos de Milford, Massachusetts, foi parado pela polícia a caminho do treino de vôlei no fim de maio. Ele vive nos EUA desde os 7 anos com visto vencido. Ele disse ter passado seis dias em uma sala sem janelas, superlotada, em um escritório do ICE antes de ser libertado sob fiança. Havia um único vaso sanitário para 35 a 40 homens, sem qualquer privacidade. Eles dormiam no chão de concreto, cobertos apenas por cobertores de alumínio.
— A comida era ruim e muito pouca. Eu precisava beber água para conseguir engolir — contou ele, que perdeu cerca de 3 kg em seis dias e disse que não pôde tomar banho nem trocar de roupa durante o período.
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No Centro de Detenção do Noroeste, em Tacoma (Washington), operado pela empresa privada GEO Group, as condições pioraram com o aumento populacional, segundo as ONGs Global Rights Advocacy e La Resistencia. A advogada de direitos humanos Alejandra Gonza relatou que os agentes, sobrecarregados, entregavam comida perto da meia-noite, não forneciam tempo de pátio nem distribuíam recursos enviados pelas famílias para comida, produtos de higiene e ligações. Ela também afirmou que alguns detidos foram colocados em confinamento solitário prolongado ou sob vigilância contra suicídio após relatarem os maus-tratos.
Em Anchorage, no Alasca, imigrantes transferidos de Tacoma foram encarcerados em uma penitenciária estadual. Em audiência no Legislativo estadual, Cindy Woods, advogada da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU) do Alasca, relatou uso de spray de pimenta contra os detidos e confinamentos frequentes quando faltava pessoal.
— Estamos muito preocupados com a saúde mental e o bem-estar dessas pessoas — disse.
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Após uma visita ao centro de Estancia, no Novo México, o senador democrata Martin Heinrich relatou que os detidos tinham acesso limitado a banhos, recebiam apenas duas garrafas de água potável por dia e ficavam dias sem poder dar descarga. Já a deputada californiana Judy Chu, também democrata, visitou o centro de Adelanto e afirmou nas redes sociais ter visto imigrantes “em condições imundas e desumanas”, sem contato com familiares ou advogados.
— Eles não puderam trocar de roupa íntima por dez dias — relatou.
Em resposta, Christopher Ferreira, porta-voz do GEO Group, afirmou que os centros administrados pela empresa oferecem cuidados médicos 24 horas, alimentação adequada e serviços de visita, sendo monitorados por autoridades federais. Em comunicado, ele afirmou que seus contratos “impõem limites rigorosos de capacidade” e que, “em resumo, nossos centros nunca estão superlotados”.
Javier, trabalhador mexicano de 55 anos, foi preso na semana passada em frente a uma cafeteria em Pasadena, Califórnia, às 5h40. Ele contou que havia cerca de 60 homens espremidos em um local gelado e imundo, afirmando que a construção “parecia uma jaula”. Os imigrantes, disse, foram forçados a compartilhar um banheiro sujo porque o outro estava fora de serviço. Javier foi transferido para Adelanto, mas acabou solto após ação de advogados, por estar em tratamento contra um câncer.
Em Manhattan, advogados relatam dificuldade para acessar o centro de triagem do 10º andar de um prédio federal, onde imigrantes têm dormido no chão ou em bancos por dias. Anne Pilsbury contou que seu cliente, hondurenho, foi algemado diante dela durante um check-in no ICE. Desde então, passou por prisões na Pensilvânia, Texas e Ohio.
Raiza, mãe de um jovem de 20 anos detido em maio em Nova York, disse que ele foi transferido de estado várias vezes e relatou ter visto vermes na pia usada para beber água e recebido comida estragada. Já Cynthia Myers, de Chicago, contou que seu marido, em processo de asilo, foi preso em Monroe (Louisiana), onde, segundo ele, os detidos são pressionados a aceitar a deportação sem respeito a seus direitos.
Alguns advogados relataram que o ICE tem oferecido dinheiro para que imigrantes aceitem sair do país. Nera Shefer, no Arizona, disse que seus clientes recusaram a proposta.
— Estão escolhendo pessoas aleatoriamente e dizendo: “Quer ir embora? Te pagamos. Precisamos da sua cama.” — relatou.